sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Que País é Esse?

No tempo da Economia Política as teorias e os instrumentos econômicos estavam ainda colados aos interesses da sociedade, procuravam realizar a felicidade dos povos. Mas a Economia perdeu sua adjetivação e ficou solta para cumprir tarefas anti-sociais. E quando o sistema financeiro primeiro se alinhou com o sistema produtivo e depois o superou, criando seu próprio universo, independente e hegemônico, a aposta na sociedade foi perdida. Foi gerado um modelo similar ao que vimos no cinema, em Matrix, com dois universos paralelos, dois mundos que mal se tocam, mas que se alinham mediante um perverso mecanismo de dominação. O universo superior aparece como uma realidade virtual, que pouco se mostra, que não tem interesse em aparecer, que dá impressão de invisível, embora seus efeitos sejam bastante concretos, basta se opor a eles para sentir sua força.

No universo inferior existem hierarquias que ajudam a equilibrar as forças sociais confrontadas, dando a forte impressão de realidade, e fórmulas diversas para manipular os processos internos de submissão.

Nesse mundo prevalece o mercado como instrumento ordenador da organização econômica e social, portanto da vida humana. Seus defensores sempre encontram um argumento compensatório, por vezes jogando espertamente com um futuro que não pode ser conferido de forma imediata, no mesmo momento. Obrigam-nos a esperar para ver, e então quase sempre é tarde demais. Convém também saber de que mercado se trata e em que condições ele estaria operando. Como nas leis científicas, se precisa garantir que certas condições permaneçam inalteradas, senão o enunciado não se cumpre. Ora, ninguém cuida de assegurar a igualdade de oportunidades com que os atores se apresentam ao mercado. E todo mundo sabe, como na política social, que condições iguais para situações desiguais geram resultados incorretos ou injustos.

Então ficamos sabendo que o mercado não pode ser a regra para todos os processos e que uma política é justamente o resultado de uma escolha intencional para realizar um determinado objetivo considerado necessário e justo. Mas quem se importa com isso?



Nesse mundo real quase tudo é permitido, uma disfarçada lei natural darwiniana, que em termos políticos alguns atribuem a decisões tomadas pelas grandes potências num acordo conhecido como “Consenso de Washington”: mais do privado e menos do estado; economia sem fronteiras; valor reduzido para o meio-ambiente; livre comércio e desregulação.

No plano maior os seres humanos distribuídos em países, segundo critérios por vezes impostos pelos mais fortes, se obrigam aos mais comezinhos limites, não ditados pela existência de recursos, mas pela disponibilidade social dos mesmos.

Mais sucintamente, os países se esforçam para não cumprir as regras do Consenso com distintos resultados. As empresas se animam com sua promoção a governantes privados, com autorização para assumir a administração de interesses públicos e fazem isso com seu espírito de puro utilitarismo.

Soberanos no primeiro universo, economistas e advogados de elite cumprem o ritual: prestam serviço nos governos, se empapam dos mecanismos de decisão, atuam reforçando o lado privado e depois vão receber suas recompensas diretamente nas grandes empresas e no sistema financeiro privado. E isso vem de longe, de sempre no país. Uma contaminação espúria das regras do jogo.



Voltando ao mundo subordinado, voltamos à lógica perversa do mercado e das pequenas e grandes espertezas. Enquanto a ideologia empresarial fala em compromisso com o cliente, responsabilidade social, o consumidor no comando e direitos de cidadania, a prática é toda ao reverso. Cada vez mais se colocam embaraços no contato direto. Quando se consegue ser atendido por alguma voz ao vivo, o interlocutor se confessa sem autonomia para tomar a mais simples decisão. Por enquanto são robots que respiram, mas tudo indica que serão substituídos em breve por robots de verdade, na lógica utilitarista inarredável de produzir com total economia de meios e buscar o melhor dos resultados. O fim do emprego semi-qualificado pode estar mais próximo do que se imagina. Onde uma máquina puder realizar a tarefa com menor custo relativo, o posto de trabalho vai desaparecer.



As empresas de todo tipo encontram uma forma adjetiva, lateral, de ganhar um pouco mais, à custa do trabalhador, com mercado e salários se reduzindo e colocado numa ciranda consumista induzida e facilitada por dezenas de instrumentos hábeis como cartões de crédito, parcelamentos imperativos, juros embutidos e uma panacéia de indicadores camuflados da evolução dos custos reais. São muitos índices justamente para confundir a massa, mas possam ser usados pelas poderosas bancas de direito e pelos escritórios financeiros em benefício das grandes empresas.

Qualquer ligação telefônica precisa passar, à conta do assinante, por várias e sucessivas etapas eletrônicas que supostamente atendem ao universo de interesse do cliente, falsa pretensão. Uma compra de utilidade doméstica pode ter o mesmo valor à vista ou em seis ou sete meses, o que significa na realidade que os juros estão disfarçadamente embutidos. Queira ou não o consumidor está pagando juros, e as agências que se pretendem atuar em sua defesa individualizam os casos de forma a não serem efetivas, apenas contemporizadoras. A justiça, funcional e intencionalmente embaralhada para filtrar e rolar as causas indesejadas, faz a festa para a advocacia.

E onde chegamos? A sociedade já está cansada de protestar, esgotada e descrente pelas sucessivas vitórias de Pirro, quando se ganha mas não leva. Os dirigentes estão confiantes em seus feudos, acomodados no descaso e na certeza de que tudo dá em nada e segue tudo como antes. Os que se dão bem não acham que se precisa mudar. Os que ainda não se deram bem sempre têm a expectativa de que chegam lá. Quem está fora da ciranda não tem como atrapalhar.

E como romper com a lógica inercial? O Governo de turno está soberbo, a conjuntura internacional sozinha garante resultados favoráveis ao contexto de estabilidade e portanto faz esquecer todas as agruras sofridas, e permite limpar o recente passado de delinqüência política. Então, para quê fazer alguma coisa? Quanto menos mexer na realidade menor o risco. Reforma política, depende. Crescimento econômico, para quê, se o programa bolsa-família está aí mesmo para cobrir o achatamento social?

Não importa se nossas empresas estão exportando emprego e se desnacionalizando para sempre, não conta o aprofundamento da distância das elites. O país vive um momento raro, conseqüência direta do aquecimento do comércio internacional sobretudo de commodities e comparativamente da escala de custos, onde os preços relativos dos fatores de produção, com salários baixos, corrupção e subsídios embutidos, estão bem abaixo da linha de comércio internacional. Mas não se está considerando o efeito perverso dessa relação, que vai promover concentração em produtos primários e commodities, enquanto as indústrias tradicionais de mão-de-obra intensiva vão-se reduzir e o setor moderno vai se desnacionalizar. Para os atuais dirigentes parece ser que “o futuro a deus pertence”.

Restam a imprensa, o ministério público e mais recentemente a polícia federal. É pouco. A imprensa tem cumprido um papel destacado em algumas áreas, mas não atua onde seus interesses não estão contemplados. Seus limites são claros. E não é toda a imprensa que está dedicada ao esclarecimento popular, como se sabe certos assuntos mais delicados só circulam em parte da imprensa escrita, que chega a um público selecionado e reduzido. Os jornais mais populares têm uma pauta menos política, mais voltada para assuntos de polícia, futebol e diversão. No rádio e na televisão é mais fortemente exercida a autocensura, que traduz interesses de classe dos proprietários, pertencentes à grande burguesia.

O Ministério Público faz um louvável esforço, mas tem de lutar contra escritórios advocatícios influentes, onde atuam antigas autoridades jurídicas, inclusive ex-ministros da justiça. Escritórios que podem recorrer a recursos escusos, de suborno, se quiserem, enquanto os defensores da causa pública precisam agir dentro da lei e correr o risco pessoal de bater de frente contra algum poderoso sem escrúpulos. Uma luta em que David tem de matar um Golias por dia. E podendo ainda esbarrar no sistema judicial, que age freqüentemente por critérios discutíveis ainda não compatibilizados com um projeto novo para o país.

E tem a polícia federal que por razões ainda não explicadas vem surpreendendo com uma ação que sacode a alma da sociedade, mesmo se sabendo que o resultado imediato vai ser anulado pelo setor reacionário do país, ainda muito poderoso e com descarada capacidade de mentir em público e mobilizar relações de compromisso.

Dito isto, me ponho em total embaraço. Como ser pessimista se o país parece estar no mais venturoso dos mundos possíveis (com mil perdões de Voltaire)? A classe média acaba com os estoques de eletrodomésticos e ainda viaja para o exterior, os pobres “embolsados” nunca comeram tanto, os idosos se sentem importantes porque suas famílias dependem deles, a elite está fazendo a festa de Caras e nem se preocupa sequer em disfarçar o festim, a ostentação não sofre represálias mas até admiração. As balas perdidas fazem parte dos jogos de azar que estão em todas as esquinas, e com a polícia federal fazendo a tarefa de casa, breve não haverá mais tanta transgressão. Os partidos políticos nunca foram mesmo grande coisa, então por que não enterrá-los de vez?

Resultado: resta-nos Lula, que com seu bom senso nos saberá guiar para um futuro promissor, mesmo se a seleção de futebol fracassar, mesmo se as novelas da Globo ficarem demasiado repetitivas e previsíveis.

Mas por alguma razão eu sinto que tenho de pedir: socorro!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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